O fim

Estou com o cu na mão.

A caminho de nosso encontro, penso e penso, preciso de estratégias. Preciso arquitetar o melhor jeito de lhe dizer. Preciso ter o controle das variáveis. Preciso ter o controle sobre você.

“Sinto muito, não dá mais”

Queria poder dizer isso e ir embora, mas você nunca vai me deixar ir sem explicar. Eu não queria ter de explicar. Eu não queria ter de ver os cantos da sua boca contorcendo de desgosto, me julgando e me desprezando.

Talvez eu devesse começar pedindo para que não me julgue. Isso não vai impedir você de me julgar, mas vai criar uma resistência sua para cumprir o prometido e me mostrar que não consigo lhe abalar. Isso já basta para mim.

Depois, eu sinto que preciso deixar claro o quão importante você foi. Talvez demonstrar minha gratidão faça você lembrar de mim com mais carinho, lembrar de mim com saudades.

Sim, eu estou extremamente preocupado com o que você vai pensar de mim depois. Eu quero que continue me amando. Quero que sofra por não poder mais me ter. Quero que continue acreditando que eu não sou um bosta inseguro. 

Então vou falar sobre tudo que você fez de bom por mim. Relembrar as risadas de madrugada, agradecer a paciência com meu medo de me assumir para os meus pais, celebrar cada presente, até os mais merdas, que você me deu. Eu vou até falar que você foi o melhor sexo de toda minha vida, mesmo que eu não tenha tido muito com o que comparar e que eu tenha certeza que ainda vou encontrar melhores.

Espero que isso deixe você emocionado, porque daí podemos chorar juntos. Como eu queria ver você chorar. Como eu queria que você insistisse para eu não lhe deixar. Você não vai fazer isso, tem orgulho demais. Isso não me impediria, de qualquer forma. 

Só depois de tudo isso, quando não restar mais nada para falar, vou explicar que preciso me encontrar, que eu me sinto afogado dentro de você, e preciso descobrir onde posso chegar sozinho.

Você vai perceber que estou tentando distorcer as coisas. Vai me acusar e eu serei culpado. Terei de assumir que não consigo mais ficar na sua sombra. Que cansei de ser “o namorado”, que cansei de ser o coadjuvante no seu show. Talvez eu até grite. Esse assunto me deixa desequilibrado e não vou conseguir me controlar. De repente estaremos em mais uma daquelas discussões pavorosas, e você vai me chamar de patético, de ridículo.

E quando você me chamar de ridículo… Eu não vou conseguir mais ficar lá. Não vou querer esperar você baixar ainda mais o nível. Já estarei exausto demais para continuar brigando. Vou virar as costas e ir, deixando você sozinho gritando como eu preciso crescer.

Esse será o fim de nós.

Quem é você na noite?

A primeira vez que me perguntaram quem era eu na noite, eu não soube o que responder. Parecia uma oportunidade para lacrar, mas eu nem sabia o que era isso, quanto menos como fazê-lo, então só disfarcei e fui pegar outra bebida.

Foi só quando encontrei uma amiga de balada em um shopping, durante o dia, que comecei a entender que era realmente comum as pessoas assumirem diferentes personalidades em festas. Já tinha visto tantas vezes aquela menina louca, descendo até o chão sem se preocupar em derrubar bebida, gargalhando alto e sendo inconveniente com pessoas que não estavam na mesma vibe que ela, que foi bastante engraçado vê-la tão tímida, segurando seu cachorro minúsculo nas mãos e falando “com licença” antes de pedir uma informação para alguém.

Aquele dia ela fingiu que não tinha me visto, aliás. Acho que ela tinha vergonha da pessoa que era na noite. Algumas pessoas tem mesmo disso, mas não é com todo mundo. Muita gente se liberta nesse mundo com menos regras, e se sente mais a vontade para ser quem é. E era isso que eu queria ser na noite: eu mesma, mas melhor.

peruca

Quem colocou “drag” em Drag Queen não sabia do que tava falando.

, Sam Terri

Reais demais

Foi estranho. Eu sentia que gostava de você de verdade. Gostei mais do que gostei de muita gente. E foi legal. Foi bem legal.

Só que passou.

Depois que passou, eu continuei tentando. Tentando porque eu queria acreditar que ainda era pra dar certo. Eu não tinha realmente motivos para parar de gostar de você. O sentimento só foi murchando… murchando…

Até que passou.

Comecei a sentir nojo de você. Eu estava bebendo toda noite que lhe encontrava, você não percebeu? Eu começava pouco antes de você chegar, para que quando eu lhe visse eu já não sentisse mais aquela aflição com o seu toque. Para eu poder enganar meus sentidos e sentir tesão. Se em algum  momento eu sentia que estava voltando pra realidade, eu bebia ainda mais.
Ia dormir agarrada em você, apagada.

As noites eloquentes. As manhãs… reais demais.

, Sam Terri

Revolução

Mulheres, vamos fazer uma revolução.

Primeiro de tudo, avisa pra todas que estamos juntas. Algumas ainda não perceberam isso e precisam da nossa paciência e didática, mas quando elas entenderem, elas virão para cá também.

Somos todas diferentes, temos urgências diferentes, mas estamos juntas.

Deixa claro que queremos é direitos e oportunidades iguais, respeito, autoridade e autonomia. Queremos não ter medo… e também queremos gozar.

Avisa que somos maioria da população, e lembre que a placenta foi onde todos se sentiram mais seguros.

Mulheres, vamos fazer uma revolução.
E ela já começou.

, Sam Terri

 

Voyerismo

Acho que tem dois tipos de voyerismo: aquele de quem olha por prazer, e de quem olha por curiosidade.
Eu digo isso talvez tentando justificar uma mania esquisita que eu tenho. Eu gosto de assistir pegações alheias.
De forma alguma é porque sinto tesão naquilo, ou porque eu queira participar. Bom, as vezes eu sinto sim tesão naquilo e as vezes eu queria sim participar. Mas a maioria das vezes é puro entretenimento.
Acho interessante observar a dança que os corpos fazem durante a pegação. Como dois entram em sincronia, ou não. Ver como se olham, se tocam, se cheiram. Como, na grande maioria das vezes, agem como se estivessem completamente sozinhos. Eu me sinto assim também quando me enlaço com alguém. Como se só fosse eu e a pessoa. Parece tão fácil esquecer a música alta, o cheiro de suor e cigarro e os bêbados gritando. Parece fácil não perceber os possíveis voyers, aqueles que as vezes olham por tesão, ou as vezes por curiosidade.

, Sam Terri

Tá corrido.

Rolou umas tretas aqui, vou ter que desmarcar. Mas vamos sim, a gente combina! Mas é que não dá esse mês, tá corrido. No próximo dá, mas talvez não no feriado. A gente vê mais perto. Tá corridíssimo. Não tô com tempo nem pra Madona. Perdoa a demora, vi a mensagem, respondi mentalmente, nem vi que não respondi. Você vai na festa da Julia? Mara, a gente conversa lá por uns 3, 4 minutos. Vai ser bom ver você! Quanto tempo, né? Vamo marcar uma cerveja. Não posso esse final de semana não, mas desse semestre não passa!

Falta de tempo na verdade é falta de organização, ou honestidade, ou interesse.

, Sam Terri

Ideia ruim

Eu não acredito em horóscopo, mas leio o meu todo dia. O daquela manhã me alertava: “cuidado com extravagâncias amorosas”, e naquela noite eu me declarei para você e viramos a madrugada de bar em bar, acabando de mãos dadas deitados na grama suja de um parque qualquer, vendo o sol nascer.

Apesar de todo o fervor, a gente já era uma ideia ruim. Não percebi isso quando fomos expulsos aos gritos do parque, segurando meu sutiã na mão. Mas estava claro: ideia ruim.

Eu devia acreditar mais no meu horóscopo.

, Sam Terri

O Sátiro

Eu era virgem quando eu conheci aquele sátiro. Virgem que só. Ele, por outro lado, o mais depravado possível.
Ele chamava Raul, e falava olhando na boca das pessoas.

Quando o avistei pela primeira vez, foi como se tudo ao redor dele ficasse escuro. Ele brilhava. Falava com paixão sobre qualquer assunto, as vezes até gritando, enfático. Esse era seu principal charme, assim como seu sorriso encantador.
Aproximei-me, curiosa, e ele logo parou de falar com as outras pessoas e me olhou, levantando uma das sobrancelhas.
– Vi que você tava me olhando. Finalmente criou coragem de vir me dar oi? – ele disse. Uma frase meio babaca, mas o sorrisinho de canto de boca fazia eu não me importar com isso. Fiquei feliz com aquela atenção que ele decidiu me dar.
Fomos para um canto mais vazio, sentamos em umas almofadas jogadas em um colchão velho e ele colocou a mão na minha coxa. Arrepiei com aquele toque, mas deixei. Despertou em mim a vontade de despudorar.
Eu não me lembro sobre o que conversamos. Acho que ele falava mais do que eu, que estava enfeitiçada com o jeito como ele me olhava, com aquela cara de safado.
Fiquei completamente distraída, pensando apenas como queria muito que ele me beijasse. Em nenhum momento parecia que ele faria mesmo isso. Era como se ele estivesse ali para me tentar. Em meio a risadas ele se aproximava cada vez mais do meu rosto, logo se afastando novamente. Ele passava as mãos pelos meus cabelos, e descia por todo meu braço, brincando com minhas mãos, arrepiando meus pelos.
A virgem em mim me impedia de tomar qualquer atitude.
Só que a tensão sexual crescia a cada minuto e chegou uma hora que não consegui mais aguentar. Cedi a seus encantos. Puxei-o pelos cabelos e o beijei, lambi, mordi.

Nunca mais o encontrei em lugar nenhum. Gosto de pensar que ele era mesmo um ser mitológico que apareceu na minha vida para me ajudar a aceitar melhor minha sexualidade.
Depois dele eu nunca mais fui tão virgem, mesmo que eu não tenha perdido a virgindade naquela noite.

, Sam Terri