Uma semana de Ella – dia 3

chao

Vivo sozinha em uma casa térrea e bem pequena. O sol tem dificuldade para entrar pelas janelas estreitas e os cômodos estão sempre mal iluminados. Apesar do tamanho, a casa tem dois quartos, que não me servem de nada porque durmo na sala.

Quase não tenho pertences, convivo com aquela ânsia de fugir a qualquer momento, então prefiro não ter nada além de roupas, cadernos e uma mala. Qualquer outra coisa encontrada na casa são resquícios dos moradores anteriores, que preservei como forma de estabelecer uma ligação com suas histórias, são poucas coisas que me contam pouco, mas é o suficiente, acho.

parede buraco

O resquício que mais gosto é o buraco na parede de um dos quartos, há nele apenas um fio elétrico solto. Imagino que antes ligava algum abajur, em uma tentativa de clarear o ambiente. Todas as lâmpadas de dentro da casa são amarelas e bem fracas, e eu penso que naquele buraco, para variar, tinha um abajur de luz branca. Não sei explicar o porquê, mas pensar sobre isto me deixa feliz.

Já o piso quebrado do corredor me incomoda. Apesar de provavelmente ser resultado apenas de desgaste pelo tempo, aquele ladrilho faltando, os desencaixes… Aquele chão me remete a violência e isto me causa desconforto.

Meu lugar favorito é a janela da sala, que dá vista para a rua. Muitas histórias são contadas por aqueles personagens que transitam na minha frente. Aproveito as narrativas como espectadora até que eles escapam do limite da minha visão (emoldurada pela janela), aí então preciso sozinha contar como tudo continuou.

Eu gosto daqui, mas acho que não sentiria falta se fosse embora.

varal

, Ella A.

Uma semana de Ella – dia 2

só

quarta-feira/2013

Hoje é meu aniversário e minha casa vazia se enche da espera.

Batem a minha porta e aliso meu vestido com as mãos para tentar desamassá-lo. Repuxo os cantos da minha boca em um ensaio de sorriso e giro a maçaneta. É um vendedor de panelas. Ele não me deseja um feliz aniversário, mas assim mesmo eu compro um conjunto que não precisarei usar. Ele agradece pela compra e vai embora sem aceitar um copo de água.

Penso que preciso encontrar um dono para estas panelas fadadas ao esquecimento, mas hoje não. Hoje é meu aniversário. Sinto a necessidade de ficar por aqui, caso alguém se dê conta e queira me encontrar. Pode ser que alguém se lembre. Encosto-me na parede e me sento ao chão.

As horas passam, a casa em silêncio. Talvez eu devesse aceitar que ninguém vem.

Vou esperar mais um pouco.

O sol já foi embora, foi visitar o outro lado do mundo, também sem se dar conta da data especial. Na janela o escuro da noite me contempla e eu acho que uma personificação daquela noite saberia que hoje faço idade. O vento é barulhento, mas não diz nada. Talvez se eu sair da janela alguém apareça.

Talvez eu devesse aceitar que ninguém vem.

Sem bolo, pego uma vela branca e acendo-a. Faço um pedido em sussurro e sopro suavemente, a chama se extingue.

Espero mais um pouco.

Apago a luz e me deito no chão, permitindo o sono.

Amanhã não será mais meu aniversário, mas continuarei esperando que alguém venha me visitar.

, Ella A.