Pediram para eu falar de mim.
Eu não sei.
Meu nome é Ella.
A. é o sobrenome. Quer dizer, não é tanto um sobrenome quanto eu gostaria que fosse. É o que trato como sobrenome.
Eu nasci e cresci em um lugar distante que sofria brutalmente com uma ditadura. Era longe, tão longe que demorei meses, anos, segundos, uma eternidade para chegar aqui depois que fugi. Sim, eu fugi, não é possível viver para sempre em um lugar que lhe limita… Limitar não, porque limitações estão em todos os lugares… Não é possível viver para sempre em um lugar que não lhe permite.
A verdade é que fugi por não ser permitida, e agora eu que não me permito.
Ninguém quer saber disso.
Talvez o que mais fui privada foi de identidade. Os militares possuíam uma lista com nomes e a cada bebê que nascia era imposto aleatoriamente um, a mãe não possuía opinião até porque era afastada pouco depois de parir. Eu fui uma filha desta ditadura, e fui a primeira Ella: Ella A, o ponto eu acrescentei depois que fugi, queria acreditar que existia algo depois daquela letra.
A verdade é que não existe e o ponto não é ponto de abreviação, é ponto final.
No caminho (longo, como disse) que percorri depois que consegui sair de lá, conheci muitos lugares, bons lugares, com boas pessoas. Em cada lugar eu fiquei tempo o suficiente para saber se me bastava, mas eu nunca pertenci. Não que eu pertença aqui, eu só cansei de andar sem rumo e achei que talvez eu devesse tentar parar de achar um lugar e começar a procurar o alguém que sou. Eu achei que, impulsionada pela primeira fuga, eu não pararia de fugir, por isso me forcei a parar e fiquei, acabou que este foi o lugar.
Às vezes ainda quero fugir, mas eu não me permito.
Já disse, ninguém quer saber disso.
Sinto que as pessoas valorizam tanto a origem. Eu sei de onde vim, mas não sei quem sou… De que adianta?
A verdade é que não quero mais falar sobre mim.
Fala de você.
, Ella A.