Ela tinha essa ânsia por liberdade. Essa ânsia de quem nunca foi livre e tenta alcançar uma quimera. Era uma sensação que a corroia por dentro e que piorava quando olhava o céu.
Queria poder voar. Queria que fosse sem ajuda de equipamento nenhum, só ela e o ar.
Já antes tentara alternativas propostas por humanos. Quando pequena, voou pela primeira vez de avião. Sentia-se incrível em ver tudo lá embaixo pequenininho, mas não era o suficiente. Então um dia voou de asa-delta. O vento batendo em sua cara dava uma sensação gostosa, podia também controlar seus movimentos e direção, mas também não queria só isso. Pulou de pára-quedas. Foi uma experiência emocionante, enquanto em queda livre, mas ela sabia estar amparada por um equipamento e logo teve de abrir o aparelho e se contentar com planar.
Quando conseguiu, alugou um apartamento no último andar do prédio residencial mais alto da cidade. Todo dia tirava um tempo para se debruçar na janela e sentir o vento no rosto, um calmante natural.
Teve de se contentar com isso. E se contentou até que um dia acordou em uma angustia descomunal. Seu coração parecia se contrair, se afundando no peito. Respirava com dificuldade, sentiu-se zonza. Precisava sair.
Foi para a varanda, se debruçou colocando todo seu tronco para fora, baixando a cabeça o máximo que pode, para a maior sensação de queda possível. O vento estava forte, batia em seu rosto deixando uma leve marca vermelha. De nada adiantava, não era o suficiente.
Subiu ao terraço aberto no topo do prédio. Já respirava melhor, mas seu coração ainda queria se introspectar. Apoiou-se na borda que separava o chão do céu. Debruçou-se como fizera na janela, desta vez ficando nas pontas dos pés.
Alguma força a puxou. Cientistas acusariam a gravidade, mas ela negaria e diria ser algo muito mais forte. A força a puxou e ela cedeu, caiu.
Era aquilo, aquela sensação que procurara a vida toda! Apenas ela e o ar. Ela e o ar se fundindo em um. Ela e o ar dançando livremente. Ela e o ar se conhecendo. Ela e o ar se amando…
Até que o ar a abandonou e ela e o ar virou ela e o chão.
, Ella A.
*Este conto faz parte do livro de contos Matrioska.