Uma semana de Sam – dia 1

Apesar de gostar muito de falar sobre mim, me encontro agora meio confusa sobre o que seria importante de ser dito.

Se eu disser meu signo, lua e ascendente está tudo certo e não preciso entrar em detalhes de mais nada?

Talvez eu precise me esforçar um pouco mais.

 

 

Sou chamada de Sam. Eu gosto porque tem um ar andrógino. Sinto-me confortável nesta ambiguidade, como se de alguma forma eu estivesse impedindo a interpretação do meu trabalho como voz masculina ou feminina. Mas como estou aqui para contar um pouco mais de mim, devo dizer que Sam é redução do nome Samanta.

Nasci nesta metrópole abismal que chamamos de São Paulo. Não me leve a mal, eu amo este lugar, mas não dá para viver aqui sem este sentimento de estar sendo puxada para baixo o tempo todo.

Suga você, seca você, desestabiliza você.

De certa forma ao falar de São Paulo estou também falando de mim. Eu nunca consegui me desvencilhar daqui. Saio, mas sempre volto. Não me atrevo a largar. Não imagino qualquer outro lugar onde eu conseguiria ter tanta companhia mesmo nos meus momentos mais solitários. A trilha sonora da minha masturbação é o chão sendo varrido no apartamento de cima.

Não concordo com o que dizem sobre cidades grandes. Eu conheço meus vizinhos. Tem o cara do chapéu que sempre me cumprimenta no elevador e comenta do clima, tem a recém chegada do interior que sempre vem me perguntar onde ficam os lugares e como chegar lá, tem aquele homem cuja mãe mora no mesmo prédio e ele sempre liga errado para o meu interfone quando quer falar com ela; tem até mesmo aquela senhora que uma vez me interfonou para perguntar se estava tudo bem depois de ouvir gritos de meu apartamento causados por uma discussão. Somos como uma grande família na qual ninguém sabe o nome de ninguém, mas todo mundo se importa.

Além destas companhias periféricas, meu apartamento está sempre cheio de visitantes. Visitantes e tralhas. Estão sempre esquecendo coisas por aqui. Não sei se é desculpa para voltar. Nem sempre voltam, nem sempre quero que voltem.

Acho que por ora isto basta.

Até mais.

,Sam Terri

Aquele cigarro

Você acendeu seu cigarro estúpido e me deixou falando sozinha para fumar perto da janela. Seu apartamento já cheira à maconha, você cheira à maconha, então não me venha dizer que foi para a janela porque precisava fumar.

Eu percebi os pelo menos cinco minutos que você deixou o cigarro pendurado na boca sem acendê-lo. Era seu jeito de pensar. Eu já tinha me arrependido há muito tempo de ter falado qualquer coisa para você naquele dia. Eu queria ser aquele cigarro. Se eu fosse seu cigarro eu estaria na sua boca, em você. Aproveitaria você inteiro, você se aproveitaria de mim. E o melhor é que eu estaria queimando, queimando, e ao fim do nosso envolvimento eu teria me desfeito e não precisaria lidar mais com você.

Lidar com você. Há de se pensar que eu teria aprendido alguma coisa depois de tanto tempo nos relacionando. Mas não. Eu ainda sentia tanta raiva daquele cigarro estúpido pendurado na sua boca quanto eu senti na primeira vez que você fumou ao meu lado. Aquele cigarro estúpido que estava onde eu deveria estar, que era o que eu deveria ser.

 

Tive muitas chances de ser aquele cigarro. Mas quando eu pude ir embora, eu fiquei.

cigarro

, Sam Terri

 

Quero ser Sophie Calle

 

“Histórias reais” é um livro de Sophie Calle que contém fotografias acompanhadas de pequenos textos contando histórias de sua vida.

Estou longe de ter uma vida tão legal quanto Sophie, e histórias nem tão reais é o que me resta. O blog é isso.

E é, não tem muito o que explicar.

 

Minto, tenho mais uma coisa importante para explicar sim.

Este blog pertence a dois pseudônimos em uma tentativa de heteronímia. Ella A. representa a fantasia, a inocência. Sam Terri é o carnal, a malícia.

 

muito prazer, seja bem vindo.